Foram necessários dez anos de negociações, mas, em contrapartida, todos os Governos da Assembleia Geral das Nações Unidas apoiaram a decisão de ratificar a Convenção sobre os Direitos da Criança em 1989.
Essa foi uma decisão histórica, os direitos humanos das crianças foram formulados em um documento juridicamente vinculativo, um documento que a maioria dos países do mundo decidiram seguir. A Convenção sobre os Direitos da Criança é um tratado crucial para determinar a forma como vemos as crianças, para que possamos vê-las como indivíduos com direitos próprios que o Estado tem a responsabilidade especial de proteger. O cumprimento da Convenção é monitorado pelo Comitê dos Direitos da Criança das Nações Unidas, que exige muito dos 196 países que ratificaram a Convenção. Mas, apesar disso, sabemos que milhões de crianças são submetidas a ofensas graves e sofrem muito a cada hora, todos os dias, durante todo o ano.
Na Suécia, a Convenção sobre os Direitos da Criança tornou-se Lei Nacional em vigor desde 1 de Janeiro de 2020. Embora a Suécia esteja classificada como um dos melhores países do mundo para criar uma criança, há muitas crianças cujos direitos são violados. Isso inclui o direito à protecção contra a violência, o direito à participação e também há deficiências sérias na avaliação do melhor interesse da criança. A visão das crianças como detentoras de direitos não é um conceito bem implementado e isso tem consequências negativas para as crianças, especialmente para as crianças em situações vulneráveis. O conhecimento do conteúdo da Convenção e a compreensão de como ela deve ser interpretada e implementada de modo a salvaguardar os direitos da criança é fundamental para toda a sociedade.
O Ombudsman da Criança realça que o conhecimento da Convenção sobre os Direitos da Criança deve aumentar, tanto como é preciso uma mudança para que as crianças sejam vistas como portadoras de direitos. Os adultos precisam compreender que as opiniões e pontos de vista das crianças são importantes na tomada de decisões, com este conhecimento, as crianças podem influenciar e mudar a sua própria situação. Dessa forma, a base é lançada para a criação de uma democracia mais inclusiva e funcional para as gerações futuras.
Desde que a Convenção sobre os Direitos da Criança foi transformada em Lei na Suécia no início do ano, o interesse em fortalecer os direitos da criança aumentou. As autoridades, municípios, regiões e a sociedade civil estão a tomar medidas para cumprir e garantir a implementação da Convenção sobre os Direitos da Criança. As decisões a nível nacional afectam as condições locais e regionais, onde políticos e funcionários tomam decisões que têm um impacto directo na situação concreta da vida das crianças.
Moçambique e Suécia têm condições e desafios muito diferentes nos seus esforços para fortalecer e proteger os direitos das crianças, mas temos em comum a nossa luta para cumprir com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, que apoiamos em 1989 e que prometemos às crianças que realizaremos.
Diferentemente do que sucede na Suécia, aqui, em Moçambique, não há necessidade de transformar a Convenção em Lei Nacional, porque o simples facto de ela ter sido já ractificada pelo Governo ou Assembleia da República, confere-lhe a dignidade de lei, valendo como lei ordinária, no nosso ordenamento jurídico nacional, por força do disposto, no nº2, do artigo 18, da CRM, que expressamente consagra” 2. As normas de direito internacional têm na ordem jurídica interna o mesmo valor que assumem os actos normativos infraconstitucionais emanados da Assembleia da República e do Governo, consoante a sua respectiva forma de recepção”´.
Na verdade, a efectivação dos direitos da criança, conta com um quadro legal moderno inspirado nas convenções internacionais, por isso, as leis nacionais incorporam grande parte das normas de direito internacional sobre os direitos da criança. Referimo-nos, nomeadamente a Lei nº7/2008, de 9 de Julho, sobre a promoção e protecção dos direitos da criança, a Lei nº8/2008, de 15 de Julho sobre a organização tutelar de menores, entre outras.
Todavia, apesar de termos um quadro legal inovador, sobre os direitos da criança, a sua real efectivação constitui o principal desafio, considerando a complexidade dos fenómenos de ordem social em que vivem as nossas crianças.
As uniões prematuras, a violência contra a criança gerada na sua comunidade, no seio familiar e na escola são alguns dos problemas que atormentam a criança no seu dia-a-dia. Além disso, o fenómeno do tráfico de seres humanos, aliado à exploração sexual de crianças agrava a situação da criança em Moçambique. Acresce-se, a estes fenómenos, outro com grande impacto na vida e futuro das crianças, que é o trabalho infantil que envolve largas dezenas de milhares de crianças obrigadas a trabalhar para a sua sobrevivência e das respectivas famílias.
As estatísticas oficiais, revelam que a percentagem de crianças que se envolvem em uniões de facto com idade inferior a 18 anos é elevada, particularmente, no meio rural. As consequências desta prática são incalculáveis na vida destas crianças, porquanto, são obrigadas a abandonar a escola muito cedo, o que as deixam despreparadas para o mercado de trabalho por um lado, e, por outro, impede-lhes de exercerem os seus direitos de cidadania de forma activa.
O provedor de Justiça de Moçambique, enquanto, órgão do Estado com a função de garantir os direitos dos cidadãos, a defesa da legalidade e da justiça na actuação da Administração Pública, cabe-lhe, de certa maneira a responsabilidade de contribuir para a observação e respeito dos direitos da criança. Porém, a efectiva realização dos direitos da criança requer uma intervenção arrojada de todos actores sociais.
As diversas instituições do Estado, que lidam com a problemática da promoção e protecção dos direitos da criança devem unir esforços com as organizações da sociedade civil visando uma actuação coordenada orientada para a implementação dos direitos da criança, consagrados nos instrumentos internacionais e nas leis nacionais.
Efectivamente, a efectivação dos direitos da criança só será real quando toda a sociedade passar a olhar a criança, não apenas como tal, mas sobretudo, como titular de direitos próprios decorrentes da sua vulnerabilização pelo meio e condições sociais em que vive.
Concomitantemente, os desafios são enormes, mas passíveis de serem ultrapassados gradualmente, a medida que a sociedade for ganhando maior consciência sobre a necessidade de protecção da criança, por um lado, e por outro, o Estado for fortalecendo as suas instituições para assegurar a efectiva realização dos direitos da criança.
É verdade que os desafios, também há na Suécia, mas são de outra índole e de outra dimensão, tendo em conta os progressos alcançados por esta nação na dura e contínua batalha de promoção e protecção dos direitos da criança.
A institucionalização do Ombudsman para a criança em 1993, reforçou o quadro institucional de promoção e protecção dos direitos da criança naquele país. Assim, acreditamos, que uma acção mais enérgica do Provedor de Justiça em coordenação com as demais instituições permitirá uma implementação mais efectiva dos direitos da criança em Moçambique.
Escrito pela Provedora Sueca de Justiça para a Criança,Elisabeth Dahlin e pelo Provedor de Justiça de Moçambique, Isaque Chande