Fernanda Machungo, especialista em obstetrícia e Ginecologia em Maputo, demonstrou cientificamente que o acesso ao aborto legal salva vidas. O seu trabalho de pesquisa contribuiu para a introduçao de uma nova legislação em Moçambique que permite abortos seguros até a décima segunda semana de gravidez.
Obteve o seu doutoramento na Suécia?
Tornei-me médica em Moçambique em 1973. Foi durante os tempos coloniais, antes do país se ter tornado independente. Comecei a servir como clínica geral num hospital em Lisboa, Portugal. Mas como eu era politicamente activa naquela época, eu voltei logo para Moçambique para juntar-me à Frente de Libertação FRELIMO. Eu estava no exército e ajudei a construir o Ministério da saúde e os serviços médicos após a independência. Eu nunca me esqueço desse período porque o que aconteceu nessa altura foi muito, muito importante para mim. Nós acreditamos no sucesso e fomos inspirados pelo nosso Presidente, Samora Machel, que era um perito em saúde e estava particularmente interessado em questões de saúde. Fui chefe do departamento de saúde e cuidados médicos e trabalhei nesse cargo até 1981. Depois fui a Uppsala para especializar-me em obstetrícia e Ginecologia.
Por que começou a pesquisar sobre abortos?
Como médica e especialista no hospital central de Maputo, muitas vezes vi como as moças, mas também as pessoas idosas, eram adminidas com sérias complicações como resultado de abortos realizados fora do hospital. Eu tomei conta desses, mas várias ficaram feridas para sempre: estéril, com todas as consequências desastrosas que a esterilidade representa para uma mulher na África. Algumas mulheres morreram. Foi um grande problema e sentimos que tínhamos de fazer alguma coisa para garantir que as mulheres tenham acesso a abortos seguros, onde tal intervenção era necessária. Nós deveríamos produzir factos cientificamente sustentáveis para chamar a atenção dos políticos para esse problema. Optou-se por comparar a mortalidade e outros parâmetros em casos de abortos legais seguros em hospitais versus abortos ilegais inseguros fora do sistema de saúde. Em 1997 apresentamos os nossos resultados.
As descobertas levaram a uma mudança rápida?
Demorou muitos anos. Não aconteceu até que eu tivesse o PhD nesta matéria, a mensagem começou a espalhar-se por várias redes, por exemplo, através das organizações de educação sexual e saúde da mulher e com a ajuda de workshops organizados pelo Ministério da saúde. Fui entrevistada pela imprensa, rádio, TV. Ancoramos a mensagem às mulheres Parlamentares na esperança de que elas divulgassem a mensagem no Parlamento. Às vezes era difícil obter apoio para a nossa causa por causa de religiosos ou outros valores baseados na tradição, mas após quase 12 anos de trabalho de informação e mobilização, nos foi dada a mudança de lei. O desafio hoje é o aconselhamento em saúde sexual e as campanhas de informação no campo que explicam às mulheres quais os direitos que elas têm em relação ao aborto. Claro, não acreditamos que o aborto deve ser usado como um substituto para medidas contraceptivas- portanto, hoje estamos a realizar esforços de treinamento para as nossas mulheres e adolescentes para que aprendam que devem usar principalmente os contraceptivos.
No que trabalha hoje?
Quando me reformei do Ministério da saúde, eu não queria apenas sentar em casa e não fazer nada. Agora trabalho por conta própria. Mas não é tão fascinante como é trabalhar no serviço de saúde pública, onde podemos pesquisar e salvar vidas e realmente sentir que estamos a dar um contributo.
A Dra. Fernanda Machungo, Especialista em obstetrícia e Ginecologia, foi convidada para a Conferência “SIDA Science Days” em Estocolmo recentemente para apresentar o seu estudo inovador, o primeiro em África que mostra a diferença na provisão de cuidados para mulheres que tiveram acesso ao aborto seguro (legal) em comparação com as mulheres que não tiveram. A pesquisa contribuiu para que Moçambique alterasse a sua legislação em 2015 de modo a permitir abortos seguros (legais) até a décima segunda semana de gestação.
Autor do texto: Gabor Hont/Lakartidningen
Fotográria: Gabor Hont/Lakartidningen
Para lêr o artigo em sueco: http://www.lakartidningen.se/Aktuellt/Meddelanden/Miniportrattet/2019/05/Nya-abortlagen-ar-forsta-steget--nu-kan-vi-ga-vidare/
Tradução: Embaixada da Suécia em Maputo